Contos de Pecadinhos - Dois dias
Hoje completam dois dias que ela descobriu. As lágrimas ainda saltam quando a lembrança passa em seus olhos em milásimos de segundos. Ela tem se controlado muito bem, mas quando põe os olhos e qualquer coisa que a lembre dos anos que passaram juntos, o mundo desaba.
Seus olhos saem de foco, nem e-mail, nem revista, nem comentário de foto. Nada prende sua atenção na frente do computador.
Ela decide ouvir música. Alguma coisa animada, nova, uma banda que ela nunca ouviu antes. Acha uma merda. Moderno demais.
Os ponteiros do relógio não podem estar em seu estado normal, definitivamente estão letárgicos hoje.
Já é quase a hora do almoço, no entanto a espera parece quase como se 100 anos ainda não tivessem passado para que os ponteiros possam se encontrar no século que vem.
Vários dos seus colegas de trabalho lhe perguntaram sobre memorandos, reuniões, atas, listas de coisas que ela não faz a menor idéia de onde, por que, quando e se existem.
A sensação de incredulidade, abandono e engano estão onipresentes em cada respiração, em cada batida do coração para bombear o sangue para todas as partes do corpo que também doem.
A garganta já não sabe o que é relaxar, está tensa e seca, como se algo continuasse preso e se recusasse a descer goela abaixo.
Todos os anos cismam em perspassar pelos olhos, mesmo usando todo o poder de concentração para responder um simples e-mail, os aniversários de casamento insistem em se exibir como atrações de circo.
A vontade de desaparecer sem deixar rastros toma conta do corpo, da alma, do espírito. Pra onde?
A dúvida se o seu desaparecimento fará alguma diferença na vida de quem quer que seja.
O pensamento voa para a família. Os amigos? Muito ocupados. É isso. Descobre que seus pais não a abandonariam. Jamais.
Hora do almoço. Ela não tem mais fome, claro. Mas vai se empanturrar do quer que seja, só por distração.
Bobagem que coração partido emagrece, só em novela.
Na vida real você vira uma jamanta, deprimida, cheia de rugas e sem perspectiva de melhora.
Dois dias apenas.
Em uma semana ela se sentirá melhor, isto é, se não se matar antes, é o que todos dizem. Mas ninguém disse a ela, ninguém sabe ainda.
Só fazem dois dias.
E ela entrará em colapso nervoso dentro de poucas horas.
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