terça-feira, 19 de agosto de 2008

Tu e eu - Luis Fernando Veríssimo

Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só crescer
até dar pé.
Eu não sei aonde quero chegar
e só sirvo pra uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy.
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada em Lobão
eu sou mais albinônico
Tu, fão.
Eu, fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico.
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou o penitente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara
o que te vem à cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo.
VOU PARAR DE ACREDITAR.
JURO QUE VOU!

QUERIA SER UMA PEDRINHA
E NÃO SENTIR
INANIMADAMENTE
PROFUNDAMENTE
SEM CORAÇÃO.


(te espero na janela, pra te ver passar, sem ninguém saber.)
Aposto que de ti não sei mais nada.
Aposto que mudamos o rumo da nossa caminhada.
Crescentes desencontros, já não sabemos mais quem somos.
Me lembro o tempo inteiro de não me lembrar de nós mesmos.

Queremos outras paisagens, queremos alcançar a plenitude.
Mas tu queres a verdade e eu algo que só me ilude.
Não tentaremos mais seguir em frente um do lado do outro.
Viveremos em opostos, tendo aquilo que merecemos.
Sentindo outros gostos, talvez sendo mais felizes.

O que me desagrada é essa história de oposição.
Não era isso que dava certo? com opostos rola atração...
Não é bem assim que a coisa funciona.
Tua cabeça é de barro, a minha de lona.
Quem ainda nao retratou o desencaixe da sua cara-metade?

Eu acho tudo muito quieto, muito natural de mais.
Ainda que fosse como antigamente, um fogo ardente, lancinante.
Atrapalhando meus sentidos, atordoando, era bom.
Agora deixou de ser.