quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Contos de Pecadinhos - Trocas, relances, olhadelas


Não sabia se devia olhar, mas sabia que os motivos eram óbvios.
Queria ter dois minutos de devaneios estarrecedores, mas tudo que conseguia era pensar em nada.
Ainda mais em tempos em que tudo se determina por escolhas de momentos, se você escolhe errado se responsabiliza. Até mesmo em se tratando de pensamento.
Nada do que dizia queria fazer sentido, nos olhos se lia a vontade recíproca do que quer que seja pecaminoso.
Dois dos seus olhos tocavam o interior do outro, beijavam-se por notas de palavras entonadas por mensagens que nenhum nem outro diziam. Se calavam em seu interior.
Em relance, os olhos se tocavam, mas nada diziam em especial. As palavras estavam mesmo tentando ser ditas, mas só o corpo falava, os olhos hesitavam e as mãos não sabiam onde e o que fariam a seguir.
Às vezes que se olharam e fingiram conversar, ele fingiu dizer algo e ela fingiu concordar - foram-se. Se passaram. Agora só restava comprar a mentira que já se espalhava e sufocava os dois, em pouco tempo as imagens formariam-se em suas retinas e a hipinose seria completa, querendo ou não.
Quantas vezes ele quis argumentar em tom descontraído e controlar-se para não parecer fraco ao ponto de usá-la como válvula de escape? Tantas, que nem se conta.
Ela por sua vez não quis correspondê-lo nem uma vez, prostrou-se e de tudo entendia e se esforçava para acompanhar e parecer à par - embora tudo que fosse dito se passasse como se outras línguas fossem proferidas no lugar do seu idioma comum.
Cada lábio que se apertava distraidamente, traía o disfarce da vontade um do outro. A língua se passava levemente pelo lábio, mas apenas com intuito de umedecer a boca - já rachada da sede e do nervosismo.
Quando se despedem, pequenas faíscas de tensão podem ser vistas à distância, mas não se encontram os olhos que, outrora se comportavam como ímãs, afinal agora traem o disfarce e escondem sua verdadeira leitura.
Seguem como se nada os tivesse atingido, ou que nada cruzara seus caminhos naquela manhã. Seguem frios e rígidos por fora, é perceptível que algo os perturba, mas apenas para eles mesmos.
Esperam que no próximo encontro uma nova surpresa aconteça. Ou que nunca mais se vejam e tenham que passar pela tortura do encontro, tortura somente por estar disposto e ao mesmo tempo o oposto.